Talvez seja esta a tarefa mais difícil; falar sobre si
mesmo, mais que isto, registrar em “Memorial” e sujeitá-lo a julgamento.
Quantos fatos passam-me pela cabeça; nem sei por onde
iniciar.
Creio que o mais sensato seja abrir o coração e discorrer
sobre o que mais me marcou desde a infância, sem fugir, pelo menos não muito,
do relacionado à minha profissão.
Muito bem, com um leve tapinha no trazeiro e uma frase
proferida centenas de vezes, meu pai, há vinte anos falecido, sentenciava: “Vá
estudar para ser um Montenegro”. Ele
referia-se ao grande mestre dos mestres, bocainense, cirurgião e
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Benedito Montenegro.
Quase não tive a opção de escolha da profissão.
Subliminarmente, aceitei, a idéia de ser um dia médico, cirurgião, com certeza.
Provavelmente, outros pais fizeram o mesmo, pois, como pode uma cidade de
apenas nove mil habitantes gerar tantos professores de Medicina – nove ao todo.
Portanto, desnecessário dizer que convivi com a Medicina.
Desde os primeiros passos, fui um bom aluno. Passei em
primeiro lugar os quatros anos, do Grupo Escolar (1º. Ciclo) assim como no meu
primeiro concurso, o exame de “Admissão ao Ginásio”.
Não foi muito diferente minha passagem pelo curso ginasial
(2º. Ciclo) no “Ginásio Estadual Capitão Henrique Montenegro”, aliás, nome de
um fazendeiro bem sucedido que enviou seu filho Benedito, cursar Medicina nos
Estados Unidos da América.Sempre estive entre os três melhores alunos da
classe, (primeiro lugar, no Terceiro Ano). Também já mostrava alguns dotes pela
música, pois tocava corneta na “Fanfarra” da escola.
Não havia colégio em Bocaina, portanto, fui estudar os
dois primeiros anos do “Curso Científico“ (Colegial) no “Instituto de Educação
Caetano Lourenço de Camargo”, na cidade de Jaú – SP. Os anos de 1963 e 1964
passaram rapidamente e em 1965 dirigi-me mais longe de casa, para Ribeirão
Preto – SP, onde terminei o “Curso Científico” noturno na
“InstituiçãoUniversirtária Moura Lacerda”
e ao mesmo tempo freqüentei o Curso Preparatório para Medicina à tarde,
o “César Lattes”.
É preciso salientar que quem freqüentava os “Cursinhos” em
Ribeirão Preto, pensava, unicamente em entrar na Universidade de São Paulo -
Campus Ribeirão Preto. Sim, e as matérias a serem estudadas eram apenas
Português, Física, Química e Biologia.
Qual foi minha surpresa quando, em Julho, faltando apenas
quatro meses para o início do vestibular, Universidade de São Paulo – Ribeirão
Preto entra para o “CESCEM”, vestibular único da“Fundação Carlos Chagas” para
seis Faculdades de Medicina, porém, que incluía além das quatro matérias que
estava me preparando, outras, como Matemática, Inglês, Geografia, História,
Nível Intelectual e provas práticas de Física, Química e Biologia.
Os estudantes, filhos de pais abastados mudaram,
rapidamente para São Paulo onde há anos os “Cursinhos” estavam bem preparados
para este tipo de vestibular. Eu não pude fazê-lo.
Muito feliz, entrei na Escola Paulista de Medicina, hoje
da Universidade Federal de São Paulo, minha segunda opção. Mal sabia da fama
que possuía em “Clinica Médica”, lar do Ilustre Professor Jairo Ramos. Mais
tarde, pude confirmar o excelente preparo clínico dos cirurgiões cardíacos
liderados pelo Professor Costabile Galucci. Aprendi a ser dono de meu nariz e
coloquei os pés na estrada bem cedo.
Sem recursos financeiros, tive que trabalhar à noite para
meu sustento após o Segundo Ano Médico, e em Faculdade bastante exigente, pude
terminá-la sem nenhuma segunda época. Tivemos sim, exames de segunda chamada devido
às faltas por período longo de greve, no
Segundo Ano.
Foi no quinto ano médico que me defini pela Cirurgia
Torácica ao ter que apresentar um trabalho: “Complicações do Traumatismo do
Tórax”. Na platéia, além do Professor Galucci estavam Hugo Felipozzi, o
cirurgião que introduziu a cirurgia com circulação extracorpórea no Brasil, os
professores Vicente Forte, Enio Buffolo e José Carlos de Andrade. Fiz uma boa
apresentação e apaixonei-me pela Cirurgia Torácica.
Internato era apenas no Sexto Ano e eu já fazia planos de
casamento com minha primeira mulher, Silvia, uma estudante de Enfermagem da
Escola. Graduei-me em Medicina em 1971, nem prestei exame para Residência
Médica e fui trabalhar para que, com algum recurso pudesse estudar nos Estados
Unidos da América onde o salário de Residente era suficiente para manter um
casal iniciante.
Foi muito bom trabalhar com Clínica Geral em Sistema
Privado de Saúde; pude verificar que estava muito pouco preparado para tal.
Em 1972, conheci a Sra. Jovita Ozório, tia do meu colega
de Faculdade, Evaldo Russo, hoje um dos diretores do Laboratório Fleury. Jovita
era secretária da Primeira Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, chefiada pelo professor
Euryclides de Jesus Zerbini, quem eu conhecia apenas de palestras.
Esta senhora apresentou-me ao professor Geraldo Verginelli
que me apresentou ao professor Zerbini. Suspendi, temporariamente o casamento e
ingressei como Estagiário em Cirurgia Cardíaca, em regime de Residência,
juntamente com muitos estrangeiros que chegavam, anualmente àquela Instituição
pela fama internacional que tinha o
Serviço do Professor Zerbini.
Trabalhei, arduamente por um ano (1972), freqüentando
também a Segunda Clínica Médica chefiada pelo Professor Luiz V. Decourt, onde
me dediquei intensamente, com a ajuda sempre pronta do professor Munir Ebaid que no futuro viria a
ser meu padrinho de casamento tal era a gratidão e admiração que nutria por
este senhor. Ele jurava que eu deixaria a Cirurgia Cardíaca para fazer
Cardiologia, tamanho era meu
interesse pela Cardiologia Pediátrica.
Aprendi muito sobre eletro e vetocardiograma, fonocardiograma, radiologia do
tórax e estudo hemodinâmico além, evidentemente sobre exame clínico - a ausculta cardíaca, que não era o ponto
forte dos cirurgiões. Freqüentei neste período mais de uma dezena de cursos em
paralelo em Cardiologia e Cirurgia Cardíaca que contarei na segunda parte deste
“Memorial”.
A Cirurgia era, no entanto, meu grande objetivo. Entrava
em todas as operações e me dedicava inteiramente ao pós-operatório.
Professores como Altamiro Ribeiro Dias,Delmont
Bittencourt, Kengi Nakiri, Luiz Boro
Puig, Noedir Antonio Groppo Stolf Pedro Carlos Piantino de Lemos,Otoni Moreira
Gomes e Seigo Tsuzuki muito me ajudaram, porém tenho que destacar que além do
professor Zerbini dois outros me apadrinharam, oprofessor Geraldo Verginelli e
Miguel Barbero Marcial. Este último
iniciou-me na pesquisa científica e já no primeiro ano, havíamos
produzido mais de uma dezena de trabalhos científicos que apresentamos em
congressos e que, posteriormente, foram publicados.
Surgiu o curso de Mestrado na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo e logo soube que não podia realizá-lo pois o
requisito obrigatório era um ano de Residência em Cirurgia Geral,
Finda 1972. No início de 1973 surge uma vaga de Médico
Residente de Primeiro Ano em Cirurgia Geral na Primeira Clínica Cirúrgica do
Hospital das Clínicas. Concorro com outros 14 colegas, ganho o Concurso e
assumo a vaga em 10 de Fevereiro de 1973
A Residência em Cirurgia Geral mudou completamente minha
vida como cirurgião. Passei pela Primeira e Terceira Clínicas cujas Residências
eram conjuntas, porém nunca me afastei da Cirurgia Torácica e Cardíaca. Devo
agradecer aqui ao professor Nagib Curi
cuja paciência e dedicação ao ensino eram muito reconhecidas. Com o doutor José Manoel Camargo Teixeira,
preceptor na Cirurgia Torácica pude
realizar dezenas de procedimentos que seriam muito úteis futuramente na
Cirurgia Cardíaca. Paralelamente, continuavam as publicações junto aos
professores Verginelli e Barbero
Marcial.
Em 1973 publico o meu primeiro trabalho como autor e no
mesmo ano o primeiro trabalho internacional como co-autor. Neste período de
Residência em Cirurgia Geral, agora casado, as remunerações eram insuficientes
e a dedicação era total e com exclusividade. Porém, nos fins de semana de
folga, ia a Bocaina, minha cidade natal e realizava, junto com o doutor Cássio
Montenegro, ex-professor de Técnica Cirúrgica da Escola Paulista de Medicina e
em Jaú, com o doutor Edwin Benedito Montenegro, ex- professor de Clínica
Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, cirurgias
gastroenterológicas. Ao mesmo tempo que praticava, realizava algum provimento
para o meu sustento.
Termino o segundo ano de Residência em Cirurgia Geral em
fins de 1974 e já ingresso, novamente na Cirurgia Cardíaca, Primeira Clínica
Cirúrgica, Serviço do professor Euryclides de Jesus Zerbini.
Assumo o cargo de Residente, não bolsista, que naquela
época não havia remuneração nesta especialidade ao mesmo tempo, inicio o curso
de Mestrado em Cirurgia.
Neste mesmo ano estava tão ligado a Cirurgia Cardíaca que
pude participar da elaboração da nova edição “Zerbini” do livro “Clínica
Cirúrgica Professor Alipio Correia Neto”. Escrevo junto com alguns professores
oito capítulos deste renomado compêndio de cinco volumes sendo o terceiro
dedicado a Cirurgia do Tórax.
No final de 1975, surgiu um convite do Professor João
Junqueira, para que eu me dirigisse a Uberaba implantar o Serviço de Cirurgia
Cardíaca do Hospital São Domingos, ao mesmo tempo em que coordenaria a
Disciplina de Cirurgia Cardíaca da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro.
Fui, imediatamente
após o retorno da visita à cidade de Uberaba, pedir o aval do professor
Adib Domingos Jatene. Lembro-me bem, lá no Instituto Dante Pazanese de
Cardiologia, expondo-lhe o convite e explicando-lhe que seria impossível
sair-me bem sem o seu aval. A passagem do Dr. Adib por Uberaba tornou-o, lá um
mito. Expus minhas limitações em Cirurgia Cardíaca, especialmente nas
cardiopatias congênitas. O Professor, propôs ajudar-me e, assim combinaríamos a
maneira de fazê-lo.
Neste ínterim, o doutor Ronald Souza Peixoto, radicado já
há dois anos em Londrina procurou o professor Zerbini e o professor Verginelli
no Hospital das Clínicas, solicitando um
cirurgião para ser seu associado no Hospital Evangélico de Londrina, e,
posteriormente, adentrar ao quadro de
professores da Universidade Estadual de Londrina, onde não havia Serviço de
Cirurgia Cardíaca. O professor Zerbini e o professor Verginelli indicaram-me e
aceitei, prontamente. Fiquei surpreso com tanto conhecimento do doutor Ronald
em Cirurgia Cardíaca Pediátrica, uma vez que vinha de Residência no Toronto General Hospital, e no Children’s
Hospital, Serviço do professor Mustard em Toronto, Canadá.
Aprendi muito com o doutor Ronald a quem sou muito grato.
Trabalhamos juntos por cinco anos, o Serviço cresceu, publicamos trabalhos –
fiz a primeira apresentação em um Congresso Internacional (Tókio, Japão em
1977).
Ainda em 1977, volto a São Paulo para terminar alguns
créditos que faltavam para o Mestrado e, convidado pelo professor Miguel
Barbero Marcial escrevemos juntos sete capítulos para o livro do Professor
Ernesto Lima Gonçalves “Cirurgia: Diagnóstico e Terapêutica”.
Em 1979, dirigi-me ao Hospital Broussais da Universidade
de Paris, Serviço do professor Charles Dubost onde aprendi nesta e em outras
visitas subseqüentes as técnicas de plastia mitral desenvolvidas pelo doutor
Alain Carpentier e as introduzi como método
cirúrgico de rotina em nosso país.
Já em 1980, publico os primeiros resultados com a plastia
valvar mitral nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia.
A primeira técnica por mim desenvolvida (1980) foi a
confecção da “neocorda” a partir de um retalho de tecido retirado da cúspide
anterior da valva mitral e, substituindo assim, cordas tendíneas rotas, corrige
o prolapso mitral e a conseqüente insuficiência valvar. Com o apoio do colega e
amigo professor Milton Ari Méier do Rio de Janeiro viríamos a publicá-la no
“The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery”, anos depois.
Neste mesmo ano de 1980 organizo o Serviço de Cirurgia
Cardíaca da Santa Casa de Londrina.
Quis o destino que nos separássemos. O doutor Ronald foi
para próximo de sua terra natal em Campos dos Goitacazes no Estado do Rio de
Janeiro, deixando em seu lugar o doutor Roberto Takeda, meu ex-colega de
Residência no Hospital das Clínicas de São Paulo e logo em seguida passamos a
trabalhar em conjunto no Hospital Evangélico e na Santa Casa, sociedade que
durou até 1990.
Criamos um sistema de Estágio em regime de Residência
formando, então vários cirurgiões cardiovasculares. Três deles passaram a fazer
parte do “Staff”, os doutores Kengo Baba, Celso Cordeiro e Marcos Parreira
Goulart.
Ainda em 1980, volto a São Paulo e defendo a Dissertação
de Mestrado “Resultados Hemodinâmicos do Implante Intra-miocárdico da Artéria
Mamária Interna”, orientado pelo professor Verginelli na Universidade de São
Paulo, tendo sido aprovado com a
nota 10 com “Distinção”. Para a análise
da contração do segmento revascularizado criei um índice hemodinâmico
denominado “Velocidade Média de Encurtamento Segmentar”, um índice de potência,
mostrando pioneiramente a melhora da contração do coração no local que recebeu
o implante.
No entanto, minha linha de pesquisa viria a ser a Cirurgia
Reconstrutora da Valva Mitral. Apresentamos vários trabalhos em congressos,
assim como, publicamos em revistas científicas nacionais e internacionais.
Registro a importância que teve um ex-colega de Residência
em São Paulo, ele na Cardiologia/Hemodinâmica. O professor Samuel Silva da
Silva, foi fundamental, não somente na minha vinda a Londrina como também no
apoio ao meu trabalho aqui desenvolvido. Este apoio traduzia-se em âmbito
profissional e também científico já que muitos trabalhos publicados realizamos
em conjunto.
Em 1985, com muito orgulho presidi o Congresso Brasileiro
de Cardiologia Pediátrica, realizado aqui em Londrina, com 12 convidados
estrangeiros, inclusive o doutor Alain Deloche, professor do Hospital Boussais
da Universidade de Paris, Serviço de Cirurgia Cardíaca, agora chefiado pelo
professor Alain Carpentier. O congresso bateu o recorde de inscrições.
Animado com o sucesso do evento dirijo-me a Universidade do
Alabama in Birminghan (1985) Serviço do Professor John Kirklin. Lá, pude
observar e aprender o modo rápido de operar do doutor Albert Pacifico e desde
então, tenho procurado seguir sua técnica.
No final de 1985, apresento dois trabalhos no XI World
Congress of “The International Society for Cardiovascular Surgery”, em Monte
Carlo, Mônaco, sendo pela primeira vez,
um deles sobre plastia mitral.
Em 1986 entro para a carreira universitária como Professor
Assistente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina
no Departamento de Clínica Cirúrgica.
O ano de 1987 foi muito importante. As características dos
nossos pacientes, crianças e jovens portadores de valvopatia mitral, ainda em
fase de crescimento, levou-nos a criar um anel protético (Gregori-Braile) que
permitisse o crescimento normal do anel mitral, já que se tratava de uma prótese aberta em forma de uma
hemi-elipse. Introduzimos uma retificação no seu lado direito para corrigir a
dilatação do anel mitral, mais intensa
junto a comissura póstero-mediana. A partir de então, passamos a utilizar o
novo anelprotético em todos os casos de insuficiência mitral associado a outras
técnicas de reconstrução valvar.
Os resultados dos primeiros 100 casos foram publicados no “European Journal of Cardio-Thoracic Surgery”. Posteriormente, fui incluído no livro “Personagens da Historia da Medicina” do doutor Álvaro Domingues.
Ainda em 1987 tive o imenso prazer de presidir em Londrina o IV Encontro dos Discípulos do Prof. E J Zerbini, evento que marcou pela presença de grandes nomes da Cirurgia Cardíaca Brasileira além de alguns estrangeiros, dentre eles o doutor – Gilles Dreyfuss, Professor Assistente no Hospital Broussais da Universidade de Paris. Laços mais fortes com o grupo de cirurgiões dedicados às plásticas da valva mitral consolidavam nossa posição no cenário da cirurgia reconstrutora valvar.
As publicações sempre foram mais voltadas para a linha de pesquisa que se estabeleceu, relacionada a preservação de valvas cardíacas. Porém, nosso Serviço crescia e nos Hospitais Evangélico e Santa Casa somava-se mais um, com a inauguração do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital Universitário.
As cirurgias nos três hospitais eram diárias e abrangiam todas as sub-especialidades. Com mais volume cirúrgico, casos mais raros aconteciam quando então, publicamos na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular o primeiro caso tratado com sucesso no país da ‘Secção Total da Aorta Torácica por Trauma Fechado do Tórax”.
Em 1989, caso com minha atual esposa, Thelma, na época, aluna de Medicina e atualmente Chefe do Pós-Operatório de nossa equipe. Na “lua de mel” nova visita ao Serviço do Professor Carpentier. Um ano após e estávamos em Paris, novamente, agora visitando o Hospital La Pitié-Salpetrière do Professor Christian Cabrol, já pensando nos transplantes cardíacos.
Os anos 90 e 91 foram marcados pela criação de mais duas técnicas para a correção do prolapso da valva mitral. O perfil do paciente valvular reumático estava mudando, drasticamente para o degenerativo e rupturas e/ou alongamentos das cordas tendíneas da valva mitral passaram a ser mais freqüentes. Abrindo-se um pequeno orifício na cúspide anterior e através dela tracionando a corda alongada, passamos a corrigir, mais facilmente, o alongamento de cordas, após a fixação da corda alongada na face atrial da cúspide anterior, ao mesmo tempo em que o orifício era ocluído. Após divulgação nacional, publicamos a técnica no “The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery”.
Logo em seguida, passamos a utilizar uma técnica para os casos de ruptura de cordas tendíneas da cúspide anterior da valva mitral. Trata-se da transferência parcial da valva tricúspide para a valva mitral, fornecendo assim, cordas para a cúspide prolapsada. Nada mais era que a retirada da válvula posterior da valva tricúspide contendo cúspide, cordas tendíneas e músculo papilar que seriam implantadas na valva mitral insuficiente. (Publicação na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e no “The Annals of Thoracic Surgery”).
Ainda em 1990 fui aceito para participar do programa de Doutorado em Cirurgia Cardiovascular na Escola Paulista de Medicina dirigido pelo então, meu orientador, amigo e a quem devo muito, o professor Enio Buffolo. Os créditos realizados nos cursos na Escola Paulista de Medicina, somados aos créditos aceitos do Mestrado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo permitiram-me a conclusão do Doutorado com a tese “Cirurgia Reconstrutora da Valva Mitral com um Novo Modelo de Anel Protético” obtendo a nota dez. Era a apresentação dos resultados iniciais com o anel Gregori-Braile fabricado pela Braile Biomédica em São José do Rio Preto e com a importante colaboração de outro grande e admirável cirurgião, o amigo, professor Domingo Marcolino Braile. Os seus laboratórios sempre estiveram a minha disposição para o desenvolvimento de técnicas e próteses.
Com o Doutorado concluído, fui promovido a Professor Adjunto no Departamento de Clinica Cirúrgica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina.
Era 1991, perco meu pai, vítima de um acidente vascular cerebral após um mal sucedido transplante de córnea realizado no Hospital Santa Catarina em São Paulo. Bastante debilitado, foi levado para Bocaina onde vivia. Necessitava de cuidados intensivos porém minha mãe não aceitou um Centro maior, uma vez que lá não ficaria mais ao seu lado. Relutei, porém aceitei, já que ele estava, praticamente em morte cerebral. Na Santa Casa de Bocaina passei a cuidá-lo intercalando com minha esposa Thelma até que me vi numa situação bastante incômoda de ter que realizar uma traqueostomia de urgência no meu próprio pai. O tubo endotraqueal, subitamente ocluíu e um edema de glote apareceu. Ajudado pela Thelma o procedimento foi bem sucedido, porém alguns dias mais e o pai morreria aos 80 anos de idade. Este episódio marcou-me muito; nunca mais operei parentes próximos; não sei por que, mas até então, achava bastante normal.
A vida continuava. O pioneirismo na introdução de modernas técnicas reconstrutoras valvares de Carpentier, aliado ao desenvolvimento de técnicas e próteses originais colocou nosso Serviço como Centro de Referência em plastias da valva mitral em nosso país.
Fui agraciado com o título de “Bicho do Paraná”, apresentação televisiva em chamadas periódicas, honraria para os profissionais que se destacavam no nosso estado, promovido pela Rede Paranaense de Televisão.
Em 1992 o professor Adib Jatene introduziu em nosso meio a “Cirurgia do Labirinto”, desenvolvida por James Cox para a correção da fibrilação atrial, técnica em que era necessário o emprego da “crioablação” para a realização da operação. Pude aprender esta técnica, porém não dispúnhamos do crioablador, aparelho caríssimo para termos em nossa Instituição.Ávido por empregá-la,já que a fibrilação atrial, freqüentemente, estava presente nos pacientes com lesões da valva mitral, desenvolvi uma modificação técnica substituindo o crioablador pela tesoura e pelo bisturi e logo passamos a ter grande experiência com o procedimento (mais de 100 casos). Esta modificação técnica rendeu-nos os prêmios “Operário do Coração” em 1993 no X Encontro dos Discípulos do Prof. E. J. Zerbini, realizado em Santa Maria no Rio Grande do Sul e o “Premio Ethicon” de melhor tema livre (3º. Lugar), no II Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca em Porto Alegre, em 1994. Os resultados iniciais com esta técnica foram publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e, posteriormente, em 1995 no “The Annals of Thoracic Surgery”. Também publicamos na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular o primeiro caso mundial da Cirurgia de Cox em criança (12 anos) com fibrilação atrial crônica como complicação da valvopatia mitral reumática.
No ano de 1993 iniciamos no Hospital Evangélico de Londrina o programa de transplantes cardíacos tendo sido o primeiro do interior do Paraná. No total fizemos sete transplantes.
Um destes pacientes apresentava uma situação, extremamente rara, a Agenesia Total do Pericárdio, situação bastante complicadora.Não havendo um saco pericárdico que pudesse ser plicado para abrigar um novo coração com dimensões muito menores, a torção dos vasos da base seria inevitável. Como única saída, alojamos o coração doador no seio costo–frênico esquerdo, sob o pulmão. Neste relato de caso, publicado na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, em 2000, apresentamos a solução: Para que os vasos pudessem ser anastomosados, deixamos uma longa aorta do doador incluindo o seu cajado; da artéria pulmonar aproveitamos seus ramos direito e esquerdo que, unidos com o tronco conseguimos uma artéria pulmonar longa. Os átrios esquerdos foram anastomosados com facilidade e os átrios direitos unidos com uma grande placa de Pericárdio Bovino conservado em Glutaraldeido. Esta técnica é única e, dificilmente haverá outro caso na literatura em face da raridade da ausência total do pericárdio, ainda mais, associada a um transplante cardíaco. Poderia então, ser questionadaa sua futura utilidade. No entanto, pode ser aproveitada nos casos de transplante em crianças pequenas com doadores maiores podendo proceder-se ao fechamento do tórax já em primeiro tempo evitando-se deixar esternotomia aberta;em alguns casos esta técnica foi empregada pelo professor Miguel Barbero Marcial no Instituto do Coração as Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O relativosucesso de nosso curto programa de transplantes (7 casos – 5 vivos), deveu-se ao incondicional apoio dos cirurgiões da Escola Paulista de Medicina, e aqui vão meus agradecimentos aos professores Enio Buffolo, João Nelson Branco e ao meu grande amigo já falecido José Carlos de Andrade. Infelizmente, os transplantes foram interrompidos por problemas financeiros do Hospital Evangélico de Londrina na época.
As cardiopatias congênitas, também faziam parte de nosso grupo de operações, fruto do grande aprendizado com osprofessoresEuryclides de Jesus Zerbini, Geraldo Verginelli, Miguel Barbero Marcial e Ronald Souza Peixoto. Um considerável número de procedimentos era por nós realizado. Nesta área desenvolvi modificação técnica da “Conexão Total Cavo-Pulmonar para Pacientes com Transposição das Grandes Artérias”. Consistiu na ampla anastomose látero-lateral entre a face medial da veia cava superior e o tronco da artéria pulmonar, sendo publicada no “The Annals of Thoracic Surgery” em 1994. A paciente, atualmente com 28 anos, vive normalmente, trabalhando em pé, como vendedora oito, horas por dia. Exames angiotomográficos mostram a superioridade de uma única e ampla anastomose (com área maior) em relação ao emprego de duas, como na técnica original, (Fontan-Kreutzer).
Uma situação inusitada curiosa ocorreu em 1996. Uma paciente de pouco mais de 70 anos é trazida ao Hospital com um quadrode tamponamento cardíaco.Um infarto do miocárdio estabeleceu-se com posterior ruptura da parede lateral do ventrículo esquerdo. O ecocardiograma facilmente identificou o quadro e a paciente foi levada de pronto ao Centro Cirúrgico. Aberto o tórax e estabelecida a circulação extracorpórea observamos um orifício na parede lateral do ventrículo esquerdo com apenas alguns milímetros, situado na região central da área de necrose do miocárdio que estava em franca fase de miomalácia. As tentativas de controle do sangramento através de suturas, mesmo com aplicação de colas biológicas não surtiram efeito e o orifício aumentou de diâmetro. Uma idéia não ortodoxa ocorreu-me: aplicar cola Sintética-Cianoacrilato, a popular Super Bonder, sobre placas de Surgicel (2 camadas), e uma final de Dacron, funcionando, assim como um manchão em pneus furados. Aberta a pinça da aorta e com o coração batendo interrompemos a circulação extracorpórea e o sangramento cessou.Esta senhora faleceu em 2011, 15 anos após a cirurgia, aos 85 anos de idade.
Por um ano não divulguei este fato; não sei por que, temendo críticas, talvez, apesar disto não fazer parte de minha personalidade. Na mesma época havia operado um repórter que além de ter uma coluna na “Folha de Londrina” também apresentava um programa televisivo local aos sábados pela manhã. Um ano após a cirurgia, o repórter cobrou-me explicações sobre o ocorrido em detalhes. Outra repórter do “Jornal de Londrina” assistiu a reportagem e a publicou em seu periódico. Aí a notícia espalhou-se para todo o mundo. Fui entrevistado por todas as redes de televisão incluindo Jornal Nacional, Jô Soares, Fantástico e toda mídia impressa nacional e internacional, além das Revistas Veja, Isto é etc., Aproveitei o momento para divulgar nas entrevistas as técnicas cirúrgicas por mim idealizadas.
Em 1997, entro como Membro Associado da Sociedade Européia de Cirurgia Cardiovascular, uma vez que já era desde os anos 80 Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Devo frisar que, atualmente, participo apenas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.
Em 1998, após Concurso, fui promovido a Professor Associado do Departamento de Clínica Cirúrgica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, após defesa do “Memorial” e defesa do trabalho científico “Transferência Parcial da Valva Tricúspide para Valva Mitral para o Tratamento Cirúrgico da Insuficiência Mitral por Ruptura de Cordas Tendíneas”. Na nossa Universidade este Concurso é “Livre Docência Equivalente” para a aprovação a Professor Associado.
No início dos anos 2000 recebi algumas homenagens como “Voto de Louvor” na Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, por relevantes serviços prestados a comunidade paranaense e o premio Destaque Paraná – Área de Medicina outorgado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná.
Em 1993, recebo a mais importante honraria do Município, a “Comenda Ouro Verde”, geralmente outorgada a Instituições como Universidade Estadual de Londrina – Orquestra Sinfônica, Embrapa etc. É um premio voltado para cultura e ciência. O primeiro a recebê-lo foi o professor Zerbini em 1985, e eu fui o décimo.
Em 2002 tomei posse como Membro Titular da Academia Paranaense de Medicina, ocupando a cadeira de numero vinte e um. Não preciso destacar a importância para mim deste título em face da extrema rigidez com que são escolhidos os titulares. – fui o primeiro cirurgião do interior do estado do Paraná a ser agraciado com esta honraria.
Ainda em 2002, no XIV Congresso Norte-Nordeste de Cirurgia Cardiovascular fui premiado com a melhor técnica operatória apresentada em vídeo (Belém – PA) sobre “Plastia Valvar em Crianças”.
O Serviço cresceu com a inauguração por nós de outro Centro de Cirurgia Cardiovascular no Hospital Regional João de Freitas na vizinha cidade de Arapongas, que, por não ter gestão plena do SUS podemos receber pacientes de outras Regionais de Saúde. O grande volume de cirurgia de adultos também fez com que nos afastássemos das cardiopatias congênitas em crianças de baixo peso que, tão logo possível, pensamos retomá-las.No entanto, não me afastei da Cirurgia Cardíaca Pediátrica nos casos de valvopatias. Fui orientador de uma “Dissertação de Mestrado” do professor Victor Hugo Machado, que apresentou os resultados a longo prazo (mais de 20 anos) de 43 crianças com idade inferior a 12 anos, submetidas a plastia valvar mitral com sobrevida de aproximadamente 83%, e com índice de não reoperação semelhante. Este estudo foi publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia pelo autor e por mim, em 2005
Era 2006 e o maior reconhecimento que recebi até hoje dos alunos de Medicina foi a inclusão de meu nome na recém fundada Associação Atlética Acadêmica Francisco Gregori Júnior. Aceitei após consulta aos membros do Departamento de Clínica Cirúrgica que também se sentiram honrados. No entanto, solicitei aos alunos que registrassem em livro, as assinaturas concordantes de um número grande de alunos do curso de Medicina. Tive sempre uma ligação forte com eles. Vários iniciaram-se cientificamente conosco, participando de trabalhos científicos realizados pelo nosso grupo, tanto em apresentação em Congressos, como em publicações em Revistas Científicas. Alguns deles continuaram conosco como Estagiários de Cirurgia Cardíaca.
Ainda em 2006, desenvolvi nos laboratórios da Braile Biomédica, local em que mais se estuda o Pericárdio Bovino tratado em Glutaraldeido e, mais recentemente, com anti-calcificantes, uma prótese pré-moldada de Pericárdio Bovino para a substituição de cordas tendíneas da valva mitral. Os resultados obtidos em conjunto com o Serviço de Cirurgia Cardíaca do Instituto Domingo Braileem São José do Rio Preto, foram publicados na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular, por João Carlos Leal, Domingo Braile e por mim em 2007.Posteriormente, em 2010 publicaríamos no “The Heart Surgery Forum” os resultados a médio prazo.
Outro fato inusitado.
Vinte e oito de Julho de 2008. Inicio uma operação às 7:30 horas da manhã e que terminaria no dia 30 às 10:30 horas. Foram 51 horas dentro do Centro Cirúrgico e 468 frascos de sangue e derivados consumidos. Esta é a história de um paciente portador de Aneurisma da Aorta Ascendente com Insuficiência da Valva Aórtica e Insuficiência Coronária Crônica.
Internado desde há uma semana, apresentava importante distúrbio de coagulação de causa hepática;foram alguns dias para que conseguíssemos exames de coagulação satisfatórios. A cirurgia consistiu na substituição da aorta ascendente por tubo valvado de Pericárdio Bovino, reimplante dos óstios coronarianos no tubo (Bentall - DeBonno), além de uma ponte de veia safena para a artéria coronária direita. Terminados os procedimentos, foi fácil a saída de circulação extracorpórea, porém com sangramento significativo das anastomoses após a neutralização da heparina com protamina. Tentativas ineficazes obrigaram–nos a re-estabelecer a circulação extracorpórea, o que causou aumento acentuado do sangramento mesmo após a saída de bomba. Os coágulos não apareciam, o controle hemodinâmico estava seguro, porém colas sintéticas pouco ajudavam. Resolvemos com 36 horas de cirurgia refazer os procedimentos aplicando colas após cada ponto das suturas no anel aórtico, na anastomose na aorta distal, inclusive nos óstios coronarianos. Mais quatro horas os coágulos apareceram, debilmente. O que nos animava bastante, é que o paciente, com pupilas normais, mexia-se quando superficialisava a anestesia. Subitamente, o paciente iniciou um quadro de instabilidade hemodinâmica. Entramos em circulação extracorpórea, após uma nova e não esperada anti-coagulação . Finalmente, bem hemodinamicamente, já fora de bomba a coagulação melhora e o sangramento é estancado. Já eram 51 horas de cirurgia sem interrupção. Durante este período havia um rodízio de assistentes, anestesistas, enfermeiros, inclusive dos familiares na porta do Centro Cirúrgico. Não pude deixar o Centro Cirúrgico;fiquei por uma hora olhando para aquele coração ótimo e sem sangrar. Foi realmente, um momento especial esses 60 minutos finais. Três horas após o término da operação, na “Unidade de Terapia Intensiva” o paciente acordou e 30 dias depois deixou o hospital. Voltou à sua vida normal, porém com 60 dias após a operação, em casa contraiu uma pneumonia comunitária seguida de septicemia e faleceu em outro hospital. Bastante triste, soube da notícia, porém consolei-me, pois, minha parte havia feito.
Em 2008 participo do livro “Cardiologia e Cirurgia Cardíaca Pediátrica”, Editora Roca Ltda. São Paulo, escrevendo o capítulo “Doenças da Valva Mitral” juntamente, com Fernando Atik, Marilena Rocha e Samuel Silva da Silva e atualmente estou participando da Segunda Edição .
Está em impressão na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (Língua Inglesa) um trabalho de revisão sobre todas as técnicas e próteses por mim desenvolvidas para a reconstrução da valva mitral insuficiente, assim como também, um capítulo de livro sobre Plastia Mitral pela Editora Europea de Livros de Cirurgia Cardíaca. Edition 2012. Rijeak, - Croatia coordenado pelos professores Miguel A. Maluf, Paulo R. Évora e Fernando A. Atik.
Todas essas técnicas tem sido demonstradas em vários Centros do país, de Manaus a Porto Alegre através de procedimentos cirúrgicos ou em peças anatômicas (“Hands on”).
Os seguintes professores difundiram as técnicas por mim criadas: Delos Cosgrove da “Cleveland Clinic” na revista científica “Current Opinion in Cardiology” em 1989, Terence Raferty da “Yale University” no livro “Transesophageal Echocardiography” em 1996 e Edward B. Savage/Steven F. Bolling da “Rush University” em Chicago e “University of Michigan in Ann Arbor”no livro“Atlas of Mitral Valve Repair”, em 2006. Um tese de Doutorado defendida pelo professor Roberto Gomes de Carvalho na Universidade federal do Paraná – Plástica da valva Mitral com Anel de Gregori e uma dissertação de mestrado defendida pelo professor Vitor Hugo Soares machado na Universidade Estadual de Londrina – Avaliação Cardiológica Tardia em Crianças com Insuficiência Mitral Reumática Submetidas à Cirurgia Reconstrutora com Anel de Gregori – também defendiam as técnicas originais.
Dois livros recentes, não médicos dedicaram um capítulo aos meus trabalhos: a “História de Londrina” (em português e inglês), escrito por Klaus Nixdorf – “Londrina é Referência em Cirurgia Cardíaca na América Latina” e “O desafio” - A história do Hospital Evangélico de Londrina escrito pela jornalista Tereza Godoy, com o capítulo “Mãos que tocam o coração”.
Atualmente, além de Professor Associado no Departamento de Clínica Cirúrgica do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, dirigindo desde 1986 a Disciplina de Cirurgia Cardíaca, chefio o Serviço de Cirurgia Cardíaca do Norte do Paraná, atuando nos Hospitais Evangélico e Santa Casa de Londrina e João de Freitas de Arapongas. Somos cinco cirurgiões (os doutores Celso Otaviano Cordeiro, Alexandre Murakami, Rogério Teruya e Guilherme Krawczun, os dois primeiros com títulos de especialistas pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular), além de Thelma Gregori Chefe do Pós-Operatório. Trabalham conosco cinco Estagiáriosem Cirurgia Cardíaca (programa de 5 anos), para um movimento mensal médio de 80 cirurgias (65 - 75 com circulação extracorpórea) e, aproximadamente 45 marcapassos e quatro enfermeiras perfusionistas
Pudemos formar nessa caminhada vários cirurgiões que se destacam no cenário da Cirurgia Cardiovascular; os doutores já citados que estão conosco, o professor Ulisses Croti, doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Livre Docente pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, chefiando no Hospital de Base o Serviço de Cirurgia Cardíaca Pediátrica, o maior do interior do país, Juliano Penha, Médico Assistente do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, cirurgião do grupo pediátrico, do Incor, Kengo Baba, Professor Assistente de Cirurgia Cardíaca da Universidade Estadual de Londrina, Chefe do Hospital do Coração de Londrina, Marcos L. P. Goulart, cirurgião do Hospital Santa Isabel de Salvador, René Gonçalves Silva,cirurgião do Hospital de Altamira no Pará e Adriana Abrahão, cirurgiã do Hospital Santa Rita de Maringá.
A minha maior contribuição à Universidade Estadual de Londrina tem sido a produção científica. Tive sempre um perfil acadêmico mais voltado a pesquisa, divulgando nas apresentações de trabalhos e em conferências o nome da Instituição.
O gráfico abaixo mostra a produção científica e a divulgação da instituição ao longo dos anos.
Minha linha de pesquisa, a reconstrução valvar mitral adotada desde 1979, portanto, sete anos antes de pertencer ao corpo docente da Universidade Estadual de Londrina foi, realmente, intensificada e reconhecida a partir de 1987. Alunos e graduados freqüentam, intensamente nossos Serviços fora da Universidade, funcionando como extensões da mesma.
Estabelecemos desde minha entrada na Universidade Estadual de Londrina um “Convênio Técnico - Científico – Assistencial” entre o Serviço de Cirurgia Cardíaca do Norte do Paraná (por mim chefiado) e o Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná da Universidade Estadual de Londrina, com o qual damos total assistência aos pacientes, fornecendo,sem ônus, cirurgiões e auxiliares assim como as enfermeiras perfusionistas em regime de integral dedicação. Assim, o Departamento de Clínica Cirúrgica não se vê na necessidade de novas contratações para continuidade do programa de ensino ao corpo discente e também para assistência aos paciente.
Paralelamente à medicina fiz algumas incursões no mundo das artes, na música e na poesia. Aliás, a segunda é conseqüência da primeira.
No segundo ano do curso de Medicina fundamos uma banda – “The Sphyncters” – na qual eu era um baixista improvisado. Não tinha a menor noção de teoria musical, portanto, tocava de ouvido. Por dois anos nos apresentamos em Centros Acadêmicos, Atléticas e até em cidades vizinhas a São Paulo. A morte de um dos integrantes da banda pôs fim a aventura musical universitária, exceto pela sempre presente gaita de boca.Por mais de 30 anos a Medicina afastou-me da música. Apenas há pouco mais de dez anos ela ressurgiu em minha vida. Com a Thelma no teclado, Chiquinho (Engenheiro do ITA) e George (vestibulando em Medicina) na guitarra e eu no baixo-guitarra e gaita, formamos a Gregori’s Heart Band.Observação: fiquei muito feliz ao saber que o professor Denton Cooley de Houston – Texas era também baixista em sua banda “The Heart Beat” ao ser agraciado com um CD pelo amigo professor doutor Paulo Prates do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, ex-aluno do Professor Cooley.Fazemos as apresentações a cada 30 a 60 dias, sempre nos finais de semana e em eventos beneficentes ou congressos. Tocamos em Gramado-RS no “Sul Brasileiro de Cirurgia Cardíaca” em 2003, no ano seguinte no “Congresso Nacional de Cirurgia Cardiovascular” em Curitiba e em São José do Rio Preto, também em caráter beneficente. A partir de 2004 passamos a tocar músicas por nós compostas e registradas na “Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro”, mais de 50 músicas originais, o que resultou em cinco CDs profissionais.
Traduzi as letras para nossa língua e adaptei algumas que ficaram com um jeito de poemas. Durante um ano dediquei-me, nas folgas, a elas onde colocava todas as realidades por mim vividas. Assim, escrevi e publiquei em 2011 “Reflexões de um Cirurgião” editado pela Editora “Íbis Libris” do Rio de Janeiro. O nome certo deveria ser “Reflexões e Realidades” uma vez que muito de minha vida pessoal e profissional lá está.
Como é de meu estilo, botei meu coração neste livro. Relato em poema a morte de uma criança em minhas mãos perto do Natal, há mais de 20 anos, em que a mãe me sacudia pedindo o filho de volta sendo este um dos motivos que com o aumento de volume de cirurgias fui-me afastando da Cirurgia Pediátrica. Há também no livro a historia da “Cola”, da cirurgia das 51 horas, reflexões sobre a mulher, ao amor e a Deus.
O livro foi bem recebido pela crítica, mais talvez por ter sido escrito por um cirurgião do que propriamente, por um poeta.
A seguir o trecho do jornalista londrinense André Simões sobre o livro: “Estas reflexões de um cirurgião... o doutor Francisco Gregori Júnior precisava mesmo tê-las escrito e posto em livro? Uma alma apressada diria que não. Afinal, Gregori é um nome consagrado em diversas acepções. Popularizou-se por passagens impressionantes e heterodoxias de sua atuação médica, como quando utilizou cola Super Bonder para estancar uma hemorragia no coração de um paciente, ou na ocasião em que permaneceu mais de dois dias sem sair do Centro Cirúrgico, só se permitindo descansar com seu paciente estabilizado – 51 horas e 468 frascos de sangue e derivados depois. Já em sua atuação acadêmica, distante destes casos quase folclóricos conseguiu imarcescível reconhecimento entre seus pares, além de inúmeros títulos e distinções.
Porque não se restringir a área em que atua de forma brilhante há quase 40 anos?
Qual o ponto de se arriscar no ardiloso mundo das letras, supostamente território desconhecido? A questão retorna: o Doutor Gregori precisava...? E quem tiver o mínimo de sensibilidade e se deixar levar por estas pungentes meditações em forma de verso, não terá dúvidas quanto as respostas: Sim, Gregori precisava – e afortunado somos nós seus leitores, por esta sua necessidade. Pois senão a mesma técnica, a mesma chama envolve a atuação médica e a literatura de Gregori.
A coragem de quem ousa lançar mão dos mais inusitados recursos para preservar seu paciente é a mesma deste poeta que não se furta ao expor momentos e angústias muito pessoais, despindo-se da aura heróica; a obstinação extraordinária do profissional que se priva de alimentação adequada e sono para cumprir o dever, pulsa novamente na força desses textos, com o escritor fazendo questão de marcar seus valores, sem jamais suar como propagador de cantilenas (vicio tão comum a pretensos literatos!); a amplitude do ser humano cônscio de que um bom médico não se faz apenas com amontoados frios de tecnicismo, mas também com indispensável pendor humanístico, norteia este diversificado conjunto de poemas: Gregori, por vezes, nos faz rir com sua espirituosidade de frasista, noutros momentos nos espanta, e enternece-nos, choca-nos, convida-nos ao pensamento – sem jamais deixar de nos entreter com seu estilo fluido. Sim, Gregori precisava escrever suas “Reflexões de um Cirurgião”. Para divulgar com beleza, a bandeira que carrega como médico, criador, amante, esposo, pai e amigo: o gosto inexorável pela vida”.
O reconhecimento é bastante estimulante, faz-me perder a modéstia às vezes; não receio dizê-lo e não creio ser este um grande pecado.Penso que pior que não ser humilde é fazer-se de.
Acredito que, indiretamente, atingi a arte, porém sempre estive com os pés na Medicina.
Olhando o passado, vejo que fiz muito mais do que sonhei, porém, muito menos do que poderia ter feito, não fossem as barreiras encontradas em todos os níveis, desde governamentais aos institucionais e porque não incluir, também as pessoais.
No entanto, acredito ainda, estar no meio do caminho.