segunda-feira, 19 de novembro de 2012

2.12.1. Linhas de Pesquisa - Cirurgia Reconstrutora da Valva Mitral


Chegando a Londrina, em fins de 1975, chamou-me a atenção o perfil dos pacientes cardíacos encaminhados para tratamento cirúrgico. Comparando com aqueles da Instituição de onde vim – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - havia clara semelhança, ou seja, um elevado número de doentes com problemas nas valvas cardíacas em número semelhante àqueles com insuficiência coronariana.
Analisando  o tipo de valvopatias pude observar o predomínio da etiologia reumática. A explicação que encontrei:
1  Tratava-se de uma região com alta incidência de doença reumática.
2  Mesmo que em declínio, a doença reumática já havia, no passado, deixado suas seqüelas nos pacientes que, agora já adultos passaram apresentar a manifestação do comprome-timento valvar.
Os nossos primeiros estudos nesta área foram dirigidos às valvopatias mitral e aórtica, através de avaliações pós-operatórias do funcionamento das próteses artificiais e também da função miocárdica.
Por ser uma região agrícola, tornava-se quase impossível o controle adequado da anticoagulação. Assim as próteses mecânicas foram rapidamente abandonadas em face do acentuado índice de tromboembolismo e dos fenômenos hemorrágicos. A bioprótese de Dura-Mater  era o substituto de escolha na época e parecia ser a solução definitiva.
Passamos a estudar, hemodinamicamente os pacientes submetidos a substituições valvares para avaliar seu funcionamento ao longo dos anos e nos surpreendemos com os achados iniciais - a presença de gradientes transvalvares já aos dois e três anos de pós-operatório. Apresentamos os resultados no Congresso da “International Society for Cardiovascular Surgery” em Tókio, Japão em 1977.
Mais adiante, pudemos confirmar tratar-se de perda da mobilidade das cúspides das biopróteses que, na sua totalidade, devido a calcificações caminhavam para a estenose e/ou insuficiência valvar por rotura da Dura-Mater.
Em 1979, após brilhante palestra do professor Alain Carpentier no Congresso Nacional de Cirurgia Cardíaca no Rio de Janeiro propus-me desenvolver as técnicas de reconstrução valvar mitral visitando o Hospital Broussais, (Paris)  - a meca das plastias mitrais. O Serviço de Cirurgia Cardiovascular era chefiado pelo professor Charles Dubost e o seu assistente - o pai das novas técnicas reconstrutoras – Alain Carpentier – muito amavelmente, me recebeu.
Alguns anos foram necessários para o aprimoramento das técnicas de plastia mitral, incluindo uma temerosa curva de aprendizado e retorno algumas vezes a Paris.
Introduzimos, pioneiramente, este tipo de abordagem em nosso meio, de modo rotineiro operando mais de uma centena de casos através do implante do anel de Carpentier, uma prótese rígida e fechada com a forma de uma hemi-elipse e a atuação sobre as cúspides cordas tendíneas e músculo papilar - um verdadeiro arsenal de procedimentos internacionalmente conhecido como “ The French Correction”.
Publicamos os resultados à medida que a experiência crescia. No entanto, os pacientes apresentavam peculiaridades de um país de terceiro mundo, jovens e crianças com lesões valvares reumáticas em número considerável, paralelamente aos clássicos casos de degeneração fibroelástica e a assustadora “Síndrome de Barlow”.
Apesar da maioria das patologias serem de origem reumática, foi nos casos degenerativos que pude realizar a primeira técnica original (1981) que consiste na feitura de uma neo-corda obtida a partir de um retalho da cúspide anterior da valva mitral e suturada ao topo do músculo papilar com suas cordas tendíneas rotas.
A técnica mostrou-se bastante efetiva e no único paciente que necessitou de reoperação por ruptura de outras cordas tendíneas, somente conseguimos identificar a neo-corda  pelo fio inabsorvível de polipropileno 5-0. Com o tempo ela adquiriu  o aspecto de uma corda tendínea normal. Tanto a cúspide quanto as cordas são de tecido conetivo firme, revestido por tecido conetivo frouxo e ficou claro que o que determinou a forma foi a função.
À publicação nacional (1981) seguiu-se uma internacional no “The Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery” em 1988.
Em 1987 introduzimos um novo modelo de anel protético (Gregori-Braile) para a anuloplastia mitral, também uma hemi-elipse, porém aberto em sua parte anterior e com uma retificação no seu lado direito, para corrigir as dilatações posteriores do anel mitral, mais acentuadas à direita. Por ser aberto, permite atuações sobre as cúspides e sobre o aparelho subvalvar com facilidade após o seu implante. Os resultados tardios mostraram também uma quase ausência de obstruções da via de saída do ventrículo esquerdo. No entanto sua grande vantagem pelo fato de ser aberto é o seu emprego em crianças, em fase de crescimento, não causando limitações ao mesmo. Foi apresentado, inicialmente nos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia” em 1988, sendo publicados os resultados dos primeiros 100 casos no “ European Journal of Cardiothoracic Surgery”.Também foi objeto de minha tese de Doutourado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo em 1990.
Ainda em 1990 desenvolvemos uma técnica original de correção do alongamento de cordas da cúspide anterior da valva mitral. Ao invés de encurtarmos a corda tendínea  por sepultamento no músculo papilar como na técnica de Carpentier, ele é conseguido puxando-se a corda alongada para cima, através de um orifício de aproximadamente dois milímetros, realizado na cúspide anterior da valva mitral (Arq Bras Cardiol, 1990 e J Thorac Cardiovasc Surg,1994).
As idéias surgiram e uma nova técnica foi criada em 1992 para os casos de ruptura de cordas da cúspide anterior da valva mitral. Trata-se da transferência parcial da valva tricúspide para a valva mitral. Após a retirada total da válvula posterior da valva tricúspide, com cúspide, cordas e músculo papilar adequados, segue-se seu transplante para a valva mitral suturando-se, inicialmente músculo papilar com músculo papilar e em seguida, cúspide com cúspide. Nos casos em que a cúspide posterior da valva tricúspide é inapropriada, obtém-se o enxerto retirando-se parte da cúspide anterior da valva tricúspide com cordas tendíneas adequadas e parte do músculo papilar correspondente. Esta técnica foi, primeiramente, publicada na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular em 1999 e os resultados tardios no “The Annals of Thoracic Surgery”.Foi, também objeto de um “Trabalho Científico” apresentado em meu concurso para a promoção de “Professor Adjunto” para “Associado” na Universidade Estadual de Londrina”.
As duas técnicas apresentadas para os casos de ruptura de cordas não se antagonizam. Na “Síndrome de Barlow” há exuberância de tecidos e a técnica da neo-corda pode ser, facilmente realizada. Entretanto, devo reconhecer que para sua realização algo de arte deve acontecer.
Pensando em corrigir o prolapso da cúspide anterior por ruptura de cordas tendíneas de um modo mais objetivo, criamos uma prótese (Braile-Gregori). Um monobloco com tiras de Pericárdio Bovino conservado em Glutaraldeido, com dois milímetros de largura e distante três milímetros umas das outras são presas a duas traves.
A prótese tem a forma de um trapézio; a haste inferior menor, será suturada ao topo do músculo papilar e a haste superior, maior  ao bordo livre da cúspide anterior da valva mitral. As cordas são em número de cinco podendo ser utilizadas somente duas delas, cortando-se as hastes. Publicamos a nova prótese na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular  em 2007 e no “ The Heart Surgery Forum” em 2010. a nossa experiência em conjunto com a do Instituto Domingo Braile de São José do Rio Preto.

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