Chegando
a Londrina, em fins de 1975, chamou-me a atenção o perfil dos pacientes
cardíacos encaminhados para tratamento cirúrgico. Comparando com aqueles da
Instituição de onde vim – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo - havia clara semelhança, ou seja, um elevado número de doentes
com problemas nas valvas cardíacas em número semelhante àqueles com
insuficiência coronariana.
Analisando o tipo de valvopatias pude observar o
predomínio da etiologia reumática. A explicação que encontrei:
1 Tratava-se de uma região com alta incidência
de doença reumática.
2 Mesmo que em declínio, a doença reumática já
havia, no passado, deixado suas seqüelas nos pacientes que, agora já adultos
passaram apresentar a manifestação do comprome-timento valvar.
Os
nossos primeiros estudos nesta área foram dirigidos às valvopatias mitral e
aórtica, através de avaliações pós-operatórias do funcionamento das próteses
artificiais e também da função miocárdica.
Por
ser uma região agrícola, tornava-se quase impossível o controle adequado da
anticoagulação. Assim as próteses mecânicas foram rapidamente abandonadas em
face do acentuado índice de tromboembolismo e dos fenômenos hemorrágicos. A
bioprótese de Dura-Mater era o substituto
de escolha na época e parecia ser a solução definitiva.
Passamos
a estudar, hemodinamicamente os pacientes submetidos a substituições valvares
para avaliar seu funcionamento ao longo dos anos e nos surpreendemos com os
achados iniciais - a presença de gradientes transvalvares já aos dois e três
anos de pós-operatório. Apresentamos os resultados no Congresso da
“International Society for Cardiovascular Surgery” em Tókio, Japão em 1977.
Mais
adiante, pudemos confirmar tratar-se de perda da mobilidade das cúspides das
biopróteses que, na sua totalidade, devido a calcificações caminhavam para a
estenose e/ou insuficiência valvar por rotura da Dura-Mater.
Em
1979, após brilhante palestra do professor Alain Carpentier no Congresso
Nacional de Cirurgia Cardíaca no Rio de Janeiro propus-me desenvolver as
técnicas de reconstrução valvar mitral visitando o Hospital Broussais,
(Paris) - a meca das plastias mitrais. O
Serviço de Cirurgia Cardiovascular era chefiado pelo professor Charles Dubost e
o seu assistente - o pai das novas técnicas reconstrutoras – Alain Carpentier –
muito amavelmente, me recebeu.
Alguns
anos foram necessários para o aprimoramento das técnicas de plastia mitral,
incluindo uma temerosa curva de aprendizado e retorno algumas vezes a Paris.
Introduzimos,
pioneiramente, este tipo de abordagem em nosso meio, de modo rotineiro operando
mais de uma centena de casos através do implante do anel de Carpentier, uma
prótese rígida e fechada com a forma de uma hemi-elipse e a atuação sobre as
cúspides cordas tendíneas e músculo papilar - um verdadeiro arsenal de
procedimentos internacionalmente conhecido como “ The French Correction”.
Publicamos
os resultados à medida que a experiência crescia. No entanto, os pacientes
apresentavam peculiaridades de um país de terceiro mundo, jovens e crianças com
lesões valvares reumáticas em número considerável, paralelamente aos clássicos
casos de degeneração fibroelástica e a assustadora “Síndrome de Barlow”.
Apesar
da maioria das patologias serem de origem reumática, foi nos casos
degenerativos que pude realizar a primeira técnica original (1981) que consiste
na feitura de uma neo-corda obtida a partir de um retalho da cúspide anterior
da valva mitral e suturada ao topo do músculo papilar com suas cordas tendíneas
rotas.
A
técnica mostrou-se bastante efetiva e no único paciente que necessitou de
reoperação por ruptura de outras cordas tendíneas, somente conseguimos
identificar a neo-corda pelo fio
inabsorvível de polipropileno 5-0. Com o tempo ela adquiriu o aspecto de uma corda tendínea normal. Tanto
a cúspide quanto as cordas são de tecido conetivo firme, revestido por tecido
conetivo frouxo e ficou claro que o que determinou a forma foi a função.
À
publicação nacional (1981) seguiu-se uma internacional no “The Journal of
Thoracic and Cardiovascular Surgery” em 1988.
Em
1987 introduzimos um novo modelo de anel protético (Gregori-Braile) para a
anuloplastia mitral, também uma hemi-elipse, porém aberto em sua parte anterior
e com uma retificação no seu lado direito, para corrigir as dilatações
posteriores do anel mitral, mais acentuadas à direita. Por ser aberto, permite
atuações sobre as cúspides e sobre o aparelho subvalvar com facilidade após o
seu implante. Os resultados tardios mostraram também uma quase ausência de
obstruções da via de saída do ventrículo esquerdo. No entanto sua grande
vantagem pelo fato de ser aberto é o seu emprego em crianças, em fase de
crescimento, não causando limitações ao mesmo. Foi apresentado, inicialmente
nos “Arquivos Brasileiros de Cardiologia” em 1988, sendo publicados os
resultados dos primeiros 100 casos no “ European Journal of Cardiothoracic
Surgery”.Também foi objeto de minha tese de Doutourado na Escola Paulista de
Medicina da Universidade Federal de São Paulo em 1990.
Ainda
em 1990 desenvolvemos uma técnica original de correção do alongamento de cordas
da cúspide anterior da valva mitral. Ao invés de encurtarmos a corda
tendínea por sepultamento no músculo
papilar como na técnica de Carpentier, ele é conseguido puxando-se a corda
alongada para cima, através de um orifício de aproximadamente dois milímetros,
realizado na cúspide anterior da valva mitral (Arq Bras Cardiol, 1990 e J
Thorac Cardiovasc Surg,1994).
As
idéias surgiram e uma nova técnica foi criada em 1992 para os casos de ruptura
de cordas da cúspide anterior da valva mitral. Trata-se da transferência
parcial da valva tricúspide para a valva mitral. Após a retirada total da
válvula posterior da valva tricúspide, com cúspide, cordas e músculo papilar
adequados, segue-se seu transplante para a valva mitral suturando-se,
inicialmente músculo papilar com músculo papilar e em seguida, cúspide com
cúspide. Nos casos em que a cúspide posterior da valva tricúspide é
inapropriada, obtém-se o enxerto retirando-se parte da cúspide anterior da
valva tricúspide com cordas tendíneas adequadas e parte do músculo papilar
correspondente. Esta técnica foi, primeiramente, publicada na Revista
Brasileira de Cirurgia Cardiovascular em 1999 e os resultados tardios no “The
Annals of Thoracic Surgery”.Foi, também objeto de um “Trabalho Científico”
apresentado em meu concurso para a promoção de “Professor Adjunto” para
“Associado” na Universidade Estadual de Londrina”.
As
duas técnicas apresentadas para os casos de ruptura de cordas não se antagonizam.
Na “Síndrome de Barlow” há exuberância de tecidos e a técnica da neo-corda pode
ser, facilmente realizada. Entretanto, devo reconhecer que para sua realização
algo de arte deve acontecer.
Pensando
em corrigir o prolapso da cúspide anterior por ruptura de cordas tendíneas de
um modo mais objetivo, criamos uma prótese (Braile-Gregori). Um monobloco com
tiras de Pericárdio Bovino conservado em Glutaraldeido, com dois milímetros de
largura e distante três milímetros umas das outras são presas a duas traves.
A
prótese tem a forma de um trapézio; a haste inferior menor, será suturada ao
topo do músculo papilar e a haste superior, maior ao bordo livre da cúspide anterior da valva
mitral. As cordas são em número de cinco podendo ser utilizadas somente duas delas,
cortando-se as hastes. Publicamos a nova prótese na Revista Brasileira de
Cirurgia Cardiovascular em 2007 e no “
The Heart Surgery Forum” em 2010.
a nossa experiência em conjunto com a do Instituto
Domingo Braile de São José do Rio Preto.
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